domingo, 27 de março de 2011

Baú das lembranças

augustopeixotobau

Desci ao baú das lembranças, onde nada jazia em vão; onde as recordações esperavam pelo momento em que deixariam de ser passado para voltar a ser presente e, quem sabe, alterar o meu futuro mais uma vez. Tantas coisas, tantos dos meus guardados… Sonhos empoeirados e pedacinhos amarelados de um tempo bem vivido. Resquícios dos momentos onde eu era o que eu queria ser, eu via o que eu queria ver, eu ia onde eu queria ir; tudo sem pressa de viver, mas com o bonito sonho de crescer.

Meus livros estavam ali, com suas figuras coloridas e suas mensagens infantilizadas. Lembranças das histórias contadas pela minha avó depois que se escondia o sol e chegava o sono. Histórias contadas na cama, no quarto de infância, onde aquele mesmo baú, anos e anos antes, era peça de decoração. De coração.

Recortes de revistas, reportagens que falavam de meus heróis e minhas heroínas; aqueles mesmos heróis que tantas vezes me salvaram e as heroínas que deveras fui… Eu fui! Por um breve instante tive até a impressão de que esses heróis haviam deixado suas glórias para viver em minha vida. Eles viveram! Príncipes e princesas que das páginas saltavam para fazer parte de um pouco daquele pouco que era meu tudo. Vida nobre, nobreza de vintém.

Antigos discos de vinil com músicas que embalaram os meus sonhos de infância e aqueceram o meu coração de menina; músicas que me fizeram dançar menina e, naquele momento, me faziam recordar mulher, e dançar menina de novo, como se ainda tocassem na minha vitrolinha vermelha… Como se o coração desse pulinhos. Que magia era essa?!

O antigo joguinho de chá, com a xícara de asa quebrada; a boneca de pano com olhos de botão e cabelos de lã; o álbum de figurinhas, que eu nunca consegui completar; minha coleção de papéis de cartas para as cartas que eu não escrevi; o desenho que fiz no colégio e ninguém elogiou. Eu nunca soube desenhar, mas sonhava como ninguém e era nesses sonhos que aquilo que me encantava ganhava formas coloridas! Fotografias amareladas de um tempo que jamais desbotaria! Tudo ali, me fazia lembrar do que um dia eu fui sem deixar de ser, portanto ainda era…

Filha de ninguém, eu era mais que passarinho ali naquele baú de coisas só minhas; e mesmo que o sol raiasse, ali sempre seria momento de sonhar, de voltar a sonhar e de passarinho voar longe. O espaço do baú era bem mais amplo que nos tempos de crianças: cabiam todos os sonhos, todos os desejos, mesmo aqueles maiores e mais trabalhosos; aqueles planos que muitas vezes tracei sem saber por onde começar. Sonhos que acendiam a luz das estrelas mais distantes, planos que faziam com que eu me contorcesse de rir.  Estavam todos ali comigo. Ainda estavam ali comigo.

Nada no mundo poderia ser maior que aquele antigo baú de madeira envelhecida… Nada poderia armazenar tanto de uma realidade fantasiosa e dar vida à fantasia real de uma menina desengonçada e atrevida, que fazia birra, que batia o pé a cada idéia que transformava em vontade. No baú eu cabia inteira! Eu mergulhava no meu próprio passado e voltava refeita pra traçar meu futuro sabendo que, se fosse preciso, poderia voltar ao passado. Meu baú sempre estaria ali; sempre lembrado naquele canto esquecido onde o encanto de um passado que não passou esperava por mim. Ele sempre estaria ali! Cheio de lembranças vivas e repleto de mim.

(Brabara Nonato)